sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O raio x do ciume

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ISTOÉ N° Edição:  2059 |  29.Abr.09 -

Estudos revelam que este sentimento é instintivo e está presente desde os primeiros meses de vida de uma pessoa. Também indicam que o brasileiro é o mais ciumento do mundo

Carina Rabelo
Todos somos ciumentos, em menor ou maior grau. O dito popular tão decantado agora tem comprovação científica, atestado por pesquisadores que se debruçaram, na última década, sobre estudos que examinam as dimensões psicológica, biológica e social desse sentimento, que pode ser tão corrosivo.
O homem praticamente nasce com ele. A constatação partiu de uma pesquisa realizada pela Universidade de York, no Canadá, que verificou a presença do ciúme em bebês de três meses, incomodados por se sentirem rejeitados ou não receberem a atenção adequada. Daí a constatação da característica instintiva desse sentimento. De todo modo, e independentemente da idade, ele pouco tem a ver com "o outro". É o ciumento que elabora, imagina, interpreta e sofre.
E, pior: uma crise pode incentivar o parceiro - até mesmo o mais fiel - a trair, segundo pesquisa do psicólogo Thiago de Almeida, da Universidade de São Paulo (USP), que entrevistou 899 pessoas - 355 homens e 544 mulheres em São Paulo. O estudo revela que os ciumentos têm mais chances de serem traídos. "O parceiro pode se sentir sufocado pelas cobranças e, de fato, olhar para a pessoa que o enciumado insiste ser uma ameaça", afirma.
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INSEGURANÇA Em crise, Carlos Bernardo verifica telefonemas e sorrisos suspeitos da mulher
No Brasil, de acordo com Almeida, o ciúme é muito valorizado. "Ele é visto como prova de amor", diz. Pesquisa da Universidade de Sunderland, na Inglaterra, comprova a tese e revela que os brasileiros são os mais ciumentos entre as dez nacionalidades entrevistadas.
Ao contrário de nós, os americanos, em segundo no ranking, admitem o sentimento a contragosto. "Numa sociedade que valoriza a autossuficiência, o ciúme é visto como sinal de fraqueza e dependência", avalia o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos, autor do livro Ciúme - o lado amargo do amor (Editora Ágora). "Nos países de influência católica, a ideia do casamento 'eterno' favorece a passionalidade."
Para o advogado Antônio Carlos Maia, da USP, que estuda o caráter evolutivo desse sentimento, no Brasil os homens têm medo que suas mulheres tenham filhos com outros, por isso são tão ciumentos. "Eles temem pagar pensão para sustentar uma criança que não seria sua", afirma. Segundo Maia, estima-se que 16% dos filhos sejam ilegítimos nos países em desenvolvimento. "A coerção contra a mulher, que gera a violência doméstica, é uma forma de garantir a segurança da paternidade", avalia.
No Brasil, o ciúme é muito valorizado, pois é considerado uma prova de amor
Alguns trabalhos relacionam o c iúme a características físicas de quem o sente. O mais recente, divulgado no ano passado, revela que homens baixos tendem a ser mais ciumentos que os altos. Pesquisadores das universidades de Valência, na Espanha, e Groningen, na Holanda, entrevistaram 549 homens e mulheres e concluíram que todos os homens admitiram ficar enciumados diante de rivais atraentes, ricos e fortes.
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Os mais altos, porém, mostraram ter mais confiança. Entre as mulheres, as de altura média são menos ciumentas que as muito altas ou baixas por, segundo os estudiosos, serem mais seguras quanto à fertilidade. Os atributos físicos, determinantes na autoestima do indivíduo, são decisivos para o desenvolvimento do ciúme. Não pelo simples conceito de beleza, mas pelos sinais físicos da capacidade reprodutiva. "É raro um homem ter ciúme de uma mulher idosa, fora da faixa de procriação", afirma Antônio Maia.
Se o sentimento tem suas origens no evolucionismo, seu desenvolvimento se dá no campo psicológico. Como disse na França do século XVIII o moralista François de La Rochefoucauld, "o ciumento se alimenta das dúvidas." Tudo pode ser um indício de traição, uma prova mínima de ameaça. Um número desconhecido no celular, uma mudança no olhar ou no comportamento do parceiro. Durante dias, o desconfiado rumina cada palavra e gesto do outro. O empresário Leonardo Kamakura, 23 anos, é o ciumento das minúcias.
O seu maior pesadelo ocorreu há um ano, quando notou pequenas mudanças nas atitudes da namorada, que comemorava o novo emprego. "Fiquei desconfiado com suas oscilações de humor e comecei a investigar cada passo dela", conta. Para chegar a um veredicto, decidiu criar uma armadilha. "Joguei verde com mensagens do Orkut e ela admitiu que estava interessada em outro."
A separação durou apenas duas semanas. "Para voltarmos, ela teve que aceitar as minhas regras", diz. Durante oito meses, a garota ficou proibida de participar de happy-hours, só saia de casa acompanhada (por ele) e deveria lhe encaminhar as contas de telefone para verificação mensal. "Ter ciúme é ter medo e o medo nos deixa alertas", diz Kamakura. "Não ter medo é perigoso, faz a gente se jogar de cabeça e quebrar a cara", aposta o rapaz, que deve se casar no próximo ano.
O ciumento busca um significado em qualquer detalhe e faz associações absurdas para comprovar a sua tese. "Um dos meus pacientes cismou que a mulher estava tendo um caso com o vizinho porque percebeu que as luzes de Natal da casa dele e da sua sala piscavam ao mesmo tempo", conta o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos. "Ele acreditava que os amantes utilizaram as luzes para se comunicar", diz. "O ciumento desconfia, mas nunca chega a decidir de forma definitiva", analisa a psiquiatra francesa Marcianne Blèvis, que acaba de lançar O ciúme - delícias e tormentos, pela editora Martins Fontes. "Sofre por não conseguir distinguir a realidade da traição efetiva da ficção das suas angústias."
Segundo pesquisa da USP, os ciumentos têm mais chances de serem traídos, porque costumam sufocar os parceiros com cobranças
Por trás do ciúme, pode estar escondido algo mais grave - transtornos de personalidade ou traços de enfermidades mentais, como paranoia, neurose e obsessão. Não é raro que o ciumento faça elaborações mentais infinitas e se sinta perseguido a todo o instante. Acredita que será lesado pelo rival, real ou imaginário, roubado ou excluído.
Quando o empresário Eduardo Manoel, 31 anos, de São Caetano do Sul, em São Paulo, conheceu a atual mulher, apesar da certeza de que queria se casar com ela, teve diversas crises de insegurança. Ele achava que não era suficientemente bom para Paula e que ela poderia se dar conta disso a qualquer momento. "Na cabeça dele, as histórias que criava eram verdadeiras. Eu era acusada e condenada e de nada adiantava me defender", lembra a médica Paula Mendonça, 32 anos. "Ele, que sempre foi tão carinhoso, parecia transtornado", completa.
Em 2003, quando ficaram noivos, Manoel recebeu um ultimato: ou procurava auxílio médico ou não haveria casamento. O rapaz procurou um psicanalista, fez terapias alternativas e se recuperou. boa mensagem aos ciumentos é que as crises, principalmente as mais cruéis, podem significar um momento de virada com efeitos positivos. "Ao encarar o problema, a pessoa chega a uma solução", avalia o psicólogo da USP César Ades, autor da pesquisa As diferenças de gênero no ciúme romântico entre os brasileiros.
O músico Carlos Bernardo Carvalho, 37 anos, percebe que só sente ciúme da mulher nos períodos de dificuldade financeira ou desafios profissionais. "Nestes momentos, tenho ciúme de tudo, percebo olhares e sorrisos diferentes, não gosto que ela fique muito tempo no telefone", diz. "Reconheço que é irracional." Alguns ciumentos projetam as próprias atitudes no outro. A administradora de empresas Camila Donati, 30 anos, por exemplo, julgava o namorado a partir do próprio comportamento.
Se o rapaz saía sozinho, era submetido a pequenas investigações. O celular era vasculhado e, cada número desconhecido, verificado. "Ligava os nomes ao dia e horário das ligações", conta. Até que se deparou com uma garota suspeita e foi interrogar o parceiro. "Ele negou e eu perdi a razão por ter fuçado no celular", lembra. "Percebi que tinha medo que ele fizesse comigo as mesmas coisas que eu fazia com ele", afirma a administradora, que apagava as próprias ligações suspeitas para não deixar pistas.
No processo de libertação do ciúme, um dos maiores desafios é aprender a conviver com o risco da perda e reconhecer as próprias limitações. "O ciumento deve aceitar que pode perder, admitir que podem sim existir outras pessoas mais atraentes ao parceiro e encarar frustrações como experiências de vida", afirma o psiquiatra Ferreira Santos. Não há uma receita para a transformação, mas algumas dicas podem ajudar: desenvolver a própria personalidade e autoestima; resolver os conflitos internos e, principalmente, evitar relações pouco saudáveis.
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